Especialistas se dividem sobre a eficácia, a necessidade e os riscos da
criminalização, proposta por comissão de juristas
Educadores, pesquisadores e advogados estão divididos sobre o alcance e a
eficácia da criminalização do bullying, proposta pela comissão de juristas que
discute o novo Código Penal. Há quem veja um efeito mais psicológico na medida,
quem prefira tratar o bullying no âmbito pedagógico e quem acredite que a lei é
benéfica, mas insuficiente. O texto, aprovado na terça-feira (29) na penúltima
reunião do grupo, tipifica o crime de bullying e prevê pena de um a 4 anos para
adultos que o cometerem contra menores. Agora, depende de votação no Congresso.
Integrante da comissão de juristas, a procuradora de Justiça de São
Paulo Luiza Eluf explica que a tipificação do crime de bullying parte do
reconhecimento de que essa prática, classificada como intimidação vexatória, é
uma conduta que vem ocorrendo com muita frequência em escolas e locais públicos
e que uma medida jurídica para proteger desse tipo de agressão se faz
necessária:
— A repercussão prática esperada é que se possam evitar
essas situações e que haja uma medida prevista em lei de punição para esse tipo
de violência. Se não há previsão na lei, a conduta é impunível. Além disso,
existe um papel da lei penal que é mais educativo, de mostrar o que é crime, e
uma papel mais preventivo, de inibir essa prática. Eu vejo essa tipificação como
um avanço.
A professora da Faculdade de Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Mirian Paura discorda. Ela acredita que a medida
terá efeito limitado, já que a grande maioria dos casos ocorre entre crianças e
adolescentes. Para ela, a questão deve ser resolvida sob o ponto de vista
educacional, não criminal.
— O bullying deve ser tratado como uma
questão psicológica e pedagógica. Quem o pratica necessita de atenção, assim
como as vítimas. Não vejo razões para criminalizar. O caminho para resolver esse
problema passa pela conscientização dentro da escola, para que a equipe tenha
ferramentas para identificar os casos e agir. As escolas precisam saber o que é
o bullying e as formas que ele pode assumir. É importante também discutir os
casos que acontecem no colégio com os pais, para que eles tomem conhecimento.
Uma medida penal não vai resolver um problema educacional.
A socióloga
Miriam Abramovay, coordenadora de políticas públicas para juventude da Faculdade
Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), concorda e diz que há o risco de
“judicializar” problemas que devem ser resolvidos no âmbito da escola. A
pesquisadora explica que ainda há um problema semântico na proposta, pois o
conceito histórico de bullying trata de violência entre crianças ou jovens da
mesma idade.
— A questão do bullying é complexa. Historicamente, o
conceito trata da violência entre pares, então, se há uma diferença de idade
significativa, já deixa de ser bullying. Há, portanto, uma questão semântica. É
muito perigoso judicializar a educação, porque assim você tira a autoridade das
figuras pedagógicas da escola, como os professores e a direção. É como se a
escola fosse impotente para lidar com essa questão. É preciso haver uma política
para atacar o problema da violência nos colégios como um todo, não só o bullying
— afirma Miriam.
O advogado Danilo Sahione, especialista em direito
educacional e com experiência em casos do tipo, é outro que não vê muita
utilidade prática para a tipificação do crime de bullying. Para ele, a questão é
muito mais complexa para ser definida de uma forma que ele considera simplista.
— Ao meu ver, essa medida não tem efeito prático nenhum, porque várias
situações abrangidas em sua caracterização de bullying já estão previstas no
Código Penal. Pior, ao caracterizar a questão do bullying de uma forma
simplista, pode-se fazer com que o trabalho preventivo sobre a questão feito nas
escolas, pelo Ministério Público e pelo Conselho Tutelar, para identificar
aqueles casos que realmente são bullying, seja prejudicado.
Já o
advogado André Pedrosa, especialista em direito processual civil e com
experiência em casos de bullying que foram levados à Justiça, acredita que a
tipificação do crime de bullying é benéfica pelo efeito psicológico e moral que
pode vir a ter, ao mostrar que essa é uma questão que pretende ser levada a
sério pela legislação brasileira.
— Essa questão a gente tem que
analisar sob vários aspectos e uma delas é a própria evolução da sociedade. O
que há 20 anos era considerado brincadeira, hoje é considerado bullying. Esse é
um conceito que muda com o tempo e a legislação tem que acompanhar essas
mudanças, ainda que acabe sendo lenta nisso. Parece-me que a intenção de uma
medida dessas é mais ter um efeito psicológico e moral que, ao meu ver, acaba
sendo benéfico.
A educadora Tânia Zagury também vê com bons olhos a
criminalização da prática para maiores de 18 anos, mas aponta que apenas a via
judicial não é suficiente para resolver o problema. Na sua opinião, medidas de
prevenção são mais eficientes.
— Apenas criminalizar o bullying não é
adequado. Como só atinge maiores de 18 anos, considero válido porque protege os
menores. Mas é necessário um trabalho junto às escolas e às famílias, até porque
muitas vezes a prática ultrapassa os muros do colégio e ocorre inclusive na
internet. Nem tudo é possível resolver através de leis. É melhor investir na
formação do cidadão. O caminho é educar, não punir criminalmente. O bullying,
normalmente, é praticado em situações de superioridade física ou numérica e pode
destruir a autoestima das crianças e adolescentes — explica Tânia.
Fonte:
http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-na-midia/22957/bullying-um-problema-que-extrapola-a-lei/